segunda-feira, 29 de abril de 2013

CONVERSA NUM DIA NUBLADO

O estiloso cantor Tom Custódio da Luz, como sempre imaginário

Eu não quero sair de casa, amor. Nestes últimos dias, não sei bem por que, as coisas todas parecem indicar partidas e mais partidas. Sei lá o motivo também, mas venho sentindo que sou velho. Aqui perto de casa tem um asilo - uma casa muito bonita com algumas estátuas que eu demorei muitos dias pra identificar como um lar de idosos - onde eu me imaginei morando, esquecido de tudo e tudo esquecido de mim. Tive inveja da juventude, da beleza e medo da morte. E agora eu não queria ter que sair e te deixar, não queria nem ter que me mover daqui de onde eu to. Acho que vivi muita coisa em pouco tempo e a maior parte foi muito triste. Agora eu to gasto, sofrendo as agruras da vida adulta, da meia idade, da velhice, de todos os tempos. Acho que as pessoas que já morreram viveram um drama da mesma natureza: em algum momento elas foram pequenas e não sabiam de nada, erravam descalças e alegres pelo mundo; depois percebiam que o vigor é uma condição passageira e morriam de medo de um dia ficar velhas e de morrer, assombravam-se com a ideia impensável mas, terminado o assombro auto-infligido, vinha o alívio de que tudo fora apenas uma fantasia e de que a velhice é só para os velhos. Por fim, um dia elas tiveram medo da idade e da morte e não havia fantasia nenhuma pra interromper nem juventude para que voltar porque o inevitável teria se tornado também inadiável e o presente seria uma constante reafirmação da proximidade do fim. To com uma sensação de que todo mundo sofre parecido com isso e que essa trama que, se for assim, não cansa de se repetir, é um embuste. Não sei de quem nem pra quem, mas que parece, parece.
E a velhice como uma punição divina, né?, indicativo de ignobilidade. Como uma condição que, não sei se desvaloriza o sujeito ou se denota a falta de virtudes dele, mas que é um símbolo de que aquela pessoa não é prioridade de ninguém, nem dela mesma. Há um certo etnocentrismo exercido por adultos e do qual eles são, por pouco tempo, beneficiários: à criança compete a condescendência, ao adulto a honra (e o inalienável medo da sua perda) e ao velho o olvido e a impaciência.
Mas não é sobre isso que eu quero falar. Eu quero falar que senti a vida passando batida por mim e não sofri direito, acabei deixando a dor no aguardo pra fazer umas coisas que precisava fazer e agora acho que acumulou, não sei.
Só sei que eu não quero sair de casa, amor. Quero cancelar todos os compromissos que tenho e deixar de assumir todos os outros que eu ainda vou assumir pra poder ficar debaixo do cobertor, tomando chá, conversando, brincando de descobrir pintinhas e marquinhas ainda desconhecidas. E também não quero mais fazer aniversário. E quero brigadeiro e assistir a uma comédia romântica, pode ser? Faz brigadeiro pra mim?

Escrito por Tom Custódio

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