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O estiloso cantor Tom Custódio da Luz, como sempre imaginário |
Eu não quero sair de casa, amor. Nestes últimos dias, não
sei bem por que, as coisas todas parecem indicar partidas e mais partidas. Sei
lá o motivo também, mas venho sentindo que sou velho. Aqui perto de casa tem um
asilo - uma casa muito bonita com algumas estátuas que eu demorei muitos dias
pra identificar como um lar de idosos - onde eu me imaginei morando, esquecido
de tudo e tudo esquecido de mim. Tive inveja da juventude, da beleza e medo da
morte. E agora eu não queria ter que sair e te deixar, não queria nem ter que
me mover daqui de onde eu to. Acho que vivi muita coisa em pouco tempo e a
maior parte foi muito triste. Agora eu to gasto, sofrendo as agruras da vida
adulta, da meia idade, da velhice, de todos os tempos. Acho que as pessoas que
já morreram viveram um drama da mesma natureza: em algum momento elas foram
pequenas e não sabiam de nada, erravam descalças e alegres pelo mundo; depois
percebiam que o vigor é uma condição passageira e morriam de medo de um dia
ficar velhas e de morrer, assombravam-se com a ideia impensável mas, terminado
o assombro auto-infligido, vinha o alívio de que tudo fora apenas uma fantasia
e de que a velhice é só para os velhos. Por fim, um dia elas tiveram medo da
idade e da morte e não havia fantasia nenhuma pra interromper nem juventude
para que voltar porque o inevitável teria se tornado também inadiável e o
presente seria uma constante reafirmação da proximidade do fim. To com uma
sensação de que todo mundo sofre parecido com isso e que essa trama que, se for
assim, não cansa de se repetir, é um embuste. Não sei de quem nem pra quem, mas
que parece, parece.
E a velhice como uma punição divina, né?, indicativo de
ignobilidade. Como uma condição que, não sei se desvaloriza o sujeito ou se
denota a falta de virtudes dele, mas que é um símbolo de que aquela pessoa não
é prioridade de ninguém, nem dela mesma. Há um certo etnocentrismo exercido por
adultos e do qual eles são, por pouco tempo, beneficiários: à criança compete a
condescendência, ao adulto a honra (e o inalienável medo da sua perda) e ao
velho o olvido e a impaciência.
Mas não é sobre isso que eu quero falar. Eu quero falar que
senti a vida passando batida por mim e não sofri direito, acabei deixando a dor
no aguardo pra fazer umas coisas que precisava fazer e agora acho que acumulou,
não sei.
Só sei que eu não quero sair de casa, amor. Quero cancelar
todos os compromissos que tenho e deixar de assumir todos os outros que eu
ainda vou assumir pra poder ficar debaixo do cobertor, tomando chá,
conversando, brincando de descobrir pintinhas e marquinhas ainda desconhecidas.
E também não quero mais fazer aniversário. E quero brigadeiro e assistir a uma
comédia romântica, pode ser? Faz brigadeiro pra mim?
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